Ao
lado das regras, os princípios formam o conjunto das normas
jurídicas, e a partir dos princípios e das regras são formadas as
normas legais.
Abaixo
segue esquema que diferencia princípios e regras:
Princípios
|
Regras
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São
a expressão de valores ou ideais
|
Contêm
a regulação de comportamentos, o que é permitido, exigido ou
proibido à pessoa
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São
escritos através dos enunciados de valores e ideais
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São
a descrição de condutas e das consequências destas
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São
dotados de elevada abstração, de modo que várias interpretações
sejam formadas a partir de um único princípio
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Possuem
maior concreção, de modo a não permitir um grande número de
interpretações
|
Possuem
maior hierarquia
|
Possuem
hierarquia menor
|
PRINCÍPIO
BASILARES
Os
princípios basilares são a essência do Direito Penal, de modo que
os demais princípios decorrem destes. Pode-se dizer que os
princípios basilares são o núcleo, o coração dos princípios, de
modo que os princípios basilares servem de modelo, de inspiração,
aos demais princípios. Já as regras têm por base a interpretação
conjunta dos princípios.
São
os seguintes os princípios basilares do Direito Penal:
- Principio da dignidade da pessoa humana
- Princípio da legalidade
- Princípio da culpabilidade
Principio
da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III da CF/88)
É
fundamento da República Federativa do Brasil, senão vejamos:
Art.
1º A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
(...)
III
- a dignidade da pessoa humana;
Segundo
Canotilho esse princípio resulta numa concepção antropocêntrica
do Estado, de modo que o homem é o centro gravitacional do país,
que o Estado está a serviço do cidadão.
O
conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana deve ser
encontrado mediante a interpretação sistemática da Constituição.
O
referido princípio pode ser vislumbrado tanto no crime quanto na
pena.
Com
relação ao crime, o princípio veda a incriminação de condutas
socialmente inofensivas. Assim o legislador penal não pode usar a
lei de forma tirânica, de modo a incriminar comportamentos que não
estejam revestidos de ofensividade, que não produzam qualquer dano
ou perigo de dano, ou em outras palavras, não será legítimo o
legislador incriminar condutas que sejam apenas imorais ou contra o
sentimento religioso. Para a conduta ser penalizada deverá
apresenta, no mínimo, risco de produção de dano.
Quanto
à pena, o princípio veda a aplicação de penas cruéis,
degradantes ou vexatórias. Então proíbe-se a aplicação de penas
perpétuas ou penas corporais. Tal princípio encontra respaldo na
Carta Cidadã, conforme pode ser visto do seu art. 5º, inciso XLVII:
XLVII
- não haverá penas:
a)
de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84,
XIX;
b)
de caráter perpétuo;
c)
de trabalhos forçados;
d)
de banimento;
e)
cruéis;
O
RDD viola o princípio da dignidade humana? Não, pois não constitui
pena cruel e está de acordo com a Constituição Federal, que
autoriza o encarceramento como pena criminal, no art. 5º, inciso
XLVI.
Princípio
da legalidade
Não
há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia
cominação legal.
Origem
histórica: Carta Magna de 1215, documento imposto pelos nobres
ingleses ao Rei João sem Terra.Porém, somente foi incorporado ao
Direito Penal, de fato, quando foi apresentada a Declaração
Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, na Revolução
Francesa, com base na idéias iluministas.
O
primeiro diploma legal a disciplinar o princípio foi o Código Penal
Francês em 1810. No Brasil ele foi disciplinado na Constituição do
império em 1824 e no Código Criminal de 1830.
Atualmente
encontra-se disciplinado na CF/88 em seu art. 5º, inciso XXXIX e no
Código Penal em sei art. 1º, conforme pode ser visto abaixo:
XXXIX
- não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal;
O
princípio da legalidade contêm em seu enunciado dois
sub-princípios, quais sejam os princípios da reserva legal e da
anterioridade.
O
referido princípio visa garantir a segurança jurídica, de modo que
caso seja realizado ato não proibido por lei o indivíduo não pode
ser punido. Assim, o cidadão não pode ser punido se praticou, antes
da elaboração da lei, ato que posteriormente foi definido como
crime.
Decorre
do princípio em questão que deva haver lei em sentido forma, ou
seja, escrita e elaborada conforme as determinações legais,
afastando-se os costumes como forma de incriminação penal, ou seja
ou costumes não podem fundamentar incriminações ou agravar aquelas
já existentes.
Deve-se
atentar que o costume não está banido do direito penal, podendo-se
ser utilizado, excepcionalmente, como elemento de incriminação. Ex.
crime de ato obsceno. É certo que o conceito de ato obsceno não é
o mesmo que se concebia na década de 1940, quando da criação do
Código Penal.
O
costume também pode atuar como fonte de normas penais permissivas.
Ex. trotes acadêmicos, na qual os veteranos praticam atos de
injúria, constrangimento ilegal, entre outros, de modo que se não
houver excesso a conduta será lícita.
Analogia
– cuida-se de método de integração do ordenamento jurídico,
isto é, de preenchimento de lacunas, no qual se aplica uma regra
vigente para solucionar o caso não previsto em lei. É possível
analogia in bonan parten, porém a analogia in malan parten é
proibida. Exemplo de analogia in malan parten é o furto de sinal de
TV a cabo, que é considerado, pelo pensamento dominante, conduta
atípica.
Importante
frisar que segundo o princípio da legalidade a lei deve ser
elaborada por órgão competente, no caso brasileiro somente está
autorizada a União a legislar sobre direito Penal, excetuando-se do
caso de Lei Complementar da União transferindo a competência
legislativa penal para os Estado para que sejam elaboradas lei
específicas.
Art.
22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I
- direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário,
marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
Assim,
deve ser elaborada, via de regra, Lei Ordinária e, excepcionalmente,
Lei Complementar. Deve-se atentar que a CF/88 proíbe a edição de
Medidas Provisórias em matéria Penal, conforme art. 62, §1º,
aliena “b”.
Art.
62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República
poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo
submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
§
1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
I
- relativa a:
(...)
b)
direito penal, processual penal e processual civil;
Atenção!
Ocorre, porém, que normas benéficas podem ser elaboradas por
meio de Medida Provisória, de modo excepcional, desde que seja
convertido em lei, conforme ocorreu com relação à extinção da
punibilidade em relação à entrega voluntária de arma.
O
Decreto-Lei pode ser fonte normativa, desde que tenha sido elaborado
antes da CF/88 e tenha sido recepcionado.
Devido
à lege praevia, ou anterioridade deve-se entender que ninguém pode
ser punido por fato praticado antes da entrada em vigor da lei penal.
Questão
importante é a da medida de segurança, que não é considerada
pena, o que pode levar ao questionamento se poderá ser aplicada
medida de segurança por fato incriminado após a prática da
conduta. Deve-se atentar que todos os princípios constitucionais do
Direito Penal aplicam-se apena e à medida de segurança, assim não
poderá ser aplicada medida de segurança a fato não definido como
lei quando da sua prática.
Por
lege certa ou taxatividade, deve ser entendido que não serão
aceitos termos ambíguos, vagos, de conteúdo indeterminado, nas leis
penais. A lei penal deve possuir conteúdo determinado, vedando-se os
tipos penais vagos.
Saliente-se
que tipo vago não deve ser confundido com crime vago. No primeiro o
conteúdo da lei é indeterminado, já o crime vago é aquele cujo
sujeito passivo é um ente sem personalidade jurídica, por exemplo,
crimes contra a família. Frise-se que diferente do tipo vago, o
crime vago é, indubitavelmente, constitucional.
Também
não deve-se confundir tipo penal vago com tipo aberto é o que
possui amplo alcance, abrangendo um número elevado de condutas
humanas, mas possui conteúdo determinado. O tipo penal aberto
abrange um grande leque de condutas possíveis, há diversos modos de
execução da conduta.
Princípio
da Culpabilidade
Não
há responsabilidade penal sem culpabilidade.
Segundo
parte da doutrina não há crime sem culpabilidade (nullum crimen
sine culpa). Outra parcela da doutrina diz que não há pena sem
culpa (nulla poenasine culpa). A primeira corrente pertence aos
adeptos da teoria tripartida, que diz que culpa é requisito do
crime, já a segunda corrente é adepta da corrente bipartida, que
alega que a culpa é pressuposto do crime.
O
fundamento constitucional do princípio da culpabilidade encontra-se
no art. 5, inciso LVII da CF/88. Esse dispositivo diz que a pessoa
somente será considerada culpada após o trânsito em julgado da
sentença penal condenatória, ou seja, é o princípio da presunção
da inocência, estado de inocência ou princípio da não
culpabilidade. Deriva desse princípio que uma pessoa somente poderá
ser condenada se agir com culpabilidade.
São
conseqüência do princípio em questão:
- Não há
responsabilidade penal sem dolo ou culpa, ou vedação da
responsabilidade penal objetiva. Ou seja, não pode ser considerado
culpado a agente que teve mera voluntariedade do ato, de modo que é
inaplicável a versari in re illicita. De modo que o art. 3º da Lei
de Contravenções não foi recepcionado pela atual Constituição,
pois se trata de exemplo de versari in re illicita.
Obs.
A concepção atual de culpabilidade considera que o dolo e a culpa
não são seus elementos. Por esse motivo, é melhor se referir à
proibição de responsabilidade penal objetiva como princípio da
responsabilidade penal subjetiva.
- A responsabilidade
penal exige a presença dos elementos da culpabilidade. Quais sejam,
imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e potencial
consciência da ilicitude.
- A responsabilidade
penal deve ter como base a gravidade do fato cometido, ou seja,
quanto mais grave o fato maior deve ser a pena.
PRINCÍPIOS
DERIVADOS OU DECORRENTES
Princípio
da retroatividade benéfica da lei penal.
A
lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.
O
princípio em questão baseia-se no art. 5º, inciso XL da CF/88 e no
art. 2º do CP.
Art.
5º
(...)
XL
- a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;
Esse
princípio atinge até mesmo a coisa julgada.
Princípio
da insignificância
Condutas
que produzam lesões insignificantes aos bens juridicamente tutelados
são consideradas (materialmente) atípicas.
Tipicidade
material é a lesão ou perigo de lesão ao bem juridicamente
tutelado
A
insignificância conduz à atipicidade material da conduta. Isso que
dizer que mesmo que a conduta se enquadre no tipo penal ela não
poderá ser punida, visto que não apresenta lesão juridicamente
relevante ao bem juridicamente tutelado.
Segundo
o STF devem ser examinadas as seguintes diretrizes para aplicação
do princípio da insignificância:
- Reduzida
periculosidade social da ação;
- Baixo grau de
reprovabilidade da conduta;
- Ínfima lesão ao
bem jurídico; e
- Ausência de
ofensividade.
Para
aplicação do princípio também deve ser observada a eventual
primariedade do agente, isso porque não deve ser admitido o
princípio em questão às pessoas que fazem do crime o seu meio de
vida.
Aplica-se
o princípio a crimes definidos na lei anti-drogas? Não, uma vez que
o bem jurídico protegido é a saúde pública.
Aplica-se
a crimes contra a administração pública? Via de regra, não, pois
tais delitos não tutelam somente o erário, mas também a moralidade
e a probidade administrativas. Atente-se que um crime de peculato por
furto de objeto de valor ínfimo, como, por exemplo, uma caneta, não
justifica a persecução penal.
No
caso de descaminho (334 do CP) é aplicado o princípio da
insignificância quando o valor do tributo e acessórios não
ultrapassa R$ 10.000,00 (dez mil reais). Isso ocorre porque a União
autoriza a fazenda a não executar ação fiscal por valores menores
do que 10.000,00 (dez mil reais), de modo que senão há cobrança
fiscal não deve haver persecução penal. No caso, o princípio que
deve ser aplicado é o da subsidiariedade do Direito Penal, visto que
o Direito Penal é a ultima ratio.
Princípio
da adequação social
Condutas
socialmente adequadas devem ser consideradas penalmente atípicas. Ou
seja, o Direito Penal deve punir o que é inadequado à vida social,
não se justificando punir condutas adequadas socialmente.
Importante
frisar que não se pode confundir leniência com adequação social.
Como exemplos podemos citar o caso de casas de prostituição (229 do
CP), jogos de azar ou jogo do bixo, violação de direitos autorais
(184 do CP). Em todos esses casos o STF e o STJ rechaçaram o
princípio da adequação social.
Princípio
da alteridade
O
Direito Penal deve punir somente condutas que produzam lesões a bens
alheios, ou seja, a conduta deve ter periculosidade para bens
jurídicos alheios. Lesões a bens próprios não podem ser
criminalizadas.
Atente-se
que no caso da auto-lesão visando fraudar seguro deve ser entendido
como crime tipificado no art. 171, § 2º, inciso V do CP, senão
vejamos:
Estelionato
Art.
171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo
alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício,
ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
(...)
§
2º - Nas mesmas penas incorre quem:
(…)
Fraude
para recebimento de indenização ou valor de seguro
V
- destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou
lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as conseqüências da
lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de
seguro;
Com
relação ao consumo de drogas, não deve ser punido, pois a pessoa
só faz mal a si mesmo. O que se pune é o porte, segundo o art. 28
da Lei 11.343/2006, pois o que está em risco é a potencialidade de
circulação da droga, que poderia violar a saúde pública.
Também
não pode ser punível a tentativa do suicídio, visto que o suicida
apenas lesa bem jurídico a ele pertencente.
Princípio
da subsidiariedade
O
Direito Penal deve atuar como ultima ratio, ou seja, somente deve ser
utilizado quando os demais ramos jurídicos não derem solução
adequada ao comportamento ilícito.
Pode-se
definir como exemplo o revogado crime de adultério, tipificado no
art. 240 do CP, visto que tal crime poderia ser melhor resolvido por
outro ramo do Direito, qual seja, o Direito Civil.
Princípio
da ofensividade ou lesividade
Não
há crime sem efetiva lesão ou perigo concreto ao bem juridicamente
tutelado. Nullum crimen sine injuria.
Há
grande aceitação doutrinária, porém não encontra abrigo na
jurisprudência pátria.
Pelo
princípio, vedam-se crimes de perigo abstrato ou presumido. Como
solução o que deve-se exigir é a demonstração de perigo concreto
em todo crime de perigo.
Devemos
atentar, para melhor compreensão do tópico, a classificação dos
crimes, no que tange ao resultado jurídico:
- Crimes de lesão –
são aqueles que consumam-se apenas com a efetiva lesão ao bem
tutelado;
- Crimes de perigo
(ameaça) – Sua consumação se dá com a exposição do bem
tutelado a uma situação de risco ou perigo. Ex. art. 132 do CP
(periclitação da vida ou saúde alheia), para a tipificação do
crime em questão basta que se tenha colocado em risco a vida ou
integridade física alheia.
1.
Perigo concreto (real) – o perigo figura como elementar do tipo e,
portanto, exige efetiva comprovação
2.
Perigo abstrato (presumido) – não figura como elementar do tipo,
pois o legislador presume que a conduta é por si só perigosa. Ex.
embriaguês ao volante
Importante
enfatizar que no STJ e STF prevalece a validade dos crimes de perigo
abstrato.
Fonte: Professor André Stefam